Entrada em Jerusalém

CAPELA "DEGLI SCROVEGNI"

AUTOR: Giotto
DATA: 1303 - 1305
LOCAL: Arena de PÁDUA



I. GIOTTO
Giotto, filho de Bondone, nasce em Vespignano di Mugello em 1267. Por Vasari ficámos a saber que, um dia, Cimabue, indo de Florença a Vespignano, encontrou Giotto, que teria uns 10 anos, entretido a pintar uma ovelha sobre uma pedra, e imediatamente lhe pediu para ser seu aluno.  A partir desta informação, sempre se admitiu que Giotto recebera a formação artística do mestre Cimabue, em Florença. 

Há notícia da sua passagem por Pisa, Siena e Roma. Depois do período romano, Giotto aparece activo a trabalhar na Basílica superior de Assis, cujos trabalhos se iniciaram em 1288, no pontificado de Nicolau IV. Este papa franciscano influenciou a iconografia das "Histórias de S. Francisco", de forma a apresentar S. Francisco como o "amparo" da Igreja, como centralidade da Ordem Franciscana na época. Do ciclo de Assis tornaram-se muito conhecidos os episódios: "A pregação aos pássaros", "O milagre da fonte", "O presépio de Greccio"...


Transcorridos cerca de sete anos, quando atinge a maturidade, Giotto translada-se de Assis para Pádua onde irá realizar a sua obra-prima: a decoração da "Capela degli Scrovegni". O conjunto de frescos desta capela, na arena de Pádua, é considerado como a mais significativa e característica obra de Giotto, e um dos factos capitais da história da pintura europeia. 






II. CAPELA "DEGLI SCROVEGNI"
Enrico Scrovegni, um personagem relevante do "Trecento", encomendou a Giotto a obra pictórica da arena de Pádua. Imensamente rico e com grandes ambições políticas, adquiriu em 1300 a zona da arena para aí levantar o seu palácio e capela. 

Fundada em 1303, a capela Scrovegni foi consagrada dois anos depois, em 1305. A capela apresentava, tal como ainda hoje se vê, um único vão de m20,5x8,5 de comprimento e largura, e m18,5 de altura, com uma abóbada de berço. Está decorada com frescos que abrangem toda a superfície da abóbada, do arco triunfal, da paredes dos muros laterais e da contrafachada. 

A abóbada, pintada de azul como um céu estrelado, contem dois medalhões de "Cristo" e da "Virgem", circundado de "Profetas".
No arco triunfal destaca-se a cena da "Anunciação": ao centro, a figura de Deus Pai; mais abaixo, na esquerda, o Anjo Anunciante, à direita, Maria.  Esta cena ocupava lugar de relevo por dois motivos. Um de carácter histórico, pois na área adquirida por Enrico Scrovegni existira uma igreja onde todos os anos, no dia 25 de Março, se celebrava a festividade da "Anunciação" com uma solene procissão e uma representação sagrada. Por outro lado, do ponto de vista teológico, num conjunto de cenas das vidas de Cristo, de Maria e seus antecessores, o mistério da "Anunciação" era considerado o "Exordium salvationis".

Nas paredes laterais, a narrativa desenvolve-se através de cenas, dispostas em quatro registos sobrepostos. 

No primeiro registo, no lado da Epístola, cenas da vida de S. Joaquim e Santa Ana, extraídas do apócrifo "Proto-Evangelho de S. Tiago" (2-7); do lado do Evangelho, cenas da vida de Maria (8-13). 

No segundo registo, no lado da Epístola, cenas da vida de Cristo (16-20); no lado do Evangelho, cenas da vida de Cristo (21-26). 

No terceiro registo, no lado da Epístola, cenas da vida de Cristo (28-32); no lado do Evangelho, continuam as cenas de Cristo (33-38) O ciclo da vida de Cristo completa-se no arco triunfal com a cena da "Traição de Judas". 

Em baixo, dois "coretti", pintados em perspectiva, criam a ilusão de profundidade. Talvez o primeiro exemplo de "trompe-l'oeil" na história da arte. 

O quarto registo situa-se na parte baixa das paredes com as figuras alegóricas das sete virtudes (41 a-g) e dos sete vícios (40 a-g), pintados em monocromo como se fossem relevos marmóreos. Estão situados na zona inferior para indicar que a virtude ou o vício conduzem o ser humano ao "Paraíso" ou ao "Inferno", respectivamente.


"Paraíso" e "Inferno", os dois temas iconográficos que rematam o programa desta capela, estão situados na parede da contrafachada, isto é, o crente depois de ter passado pelas principais cenas da História da Salvação, dá de frente com a cena do "Juízo Final", colocada em lugar estratégico: é a última imagem da última realidade. Era isso que se pretendia, que ficasse bem gravada. 

Na zona inferior do "Juízo Final", observa-se a cena da dedicatória, com Enrico Scrovegni ajoelhado diante da Virgem e duas santas, oferecendo a capela, em forma de maqueta, segurada por um acólito. 

Um pormenor de certa importância pela informação histórica do vestido e penteado da época e, sobretudo, porque a figuração de Scrovegni é considerada o primeiro retrato da pintura ocidental.






III. A ENTRADA EM JERUSALÉM
O fresco da "Entrada em Jerusalém" situa-se no registo central das cenas da vida de Cristo. 

Giotto utiliza um tipo de composição muito repetido no conjunto das cenas: cria dois blocos, em perfeita simetria, que transmitem à cena um clima de equilíbrio.

Este episódio, narrado pelos quatro evangelistas, consta de três etapas: preparação, entrada e efeito. 

Giotto segue o texto de Mateus (21, 1-11). Prescinde da fase de preparação e centra-se na entrada propriamente dita. No primeiro agrupamento, realça a figura de Cristo: de perfil, nimbo crucífero, com o gesto solene de abençoar e sentado sobre uma jumenta, que é acompanhada por um jumentinho. É neste pormenor que Mateus se diferencia dos outros Evangelistas, que se referem apenas a um "jumentinho". 

Segue-se o grupo dos Apóstolos, nimbados, em que sobressaem as figuras de Pedro e João.

No lado oposto, os habitantes da Cidade santa saem ao encontro: "Uns estendiam no chão as suas capas, outros cortavam ramos das árvores e espalhavam-nos pelo chão" (Mt 21, 8-9). As anotações realísticas desta cena estão vivamente expressas no homem que se prepara para tirar a túnica ou no jovem que se esforça por desprender-se da sua, ainda presa nos braços e cabeça. 

Merece particular atenção o tratamento que Giotto dà à jumentinha e jumentinho: estão pintados com grande cuidado e uma atenção minuciosa na representação do focinho da jumenta com traços subtis de pêlos grises e brancos. 

Ainda que os Evangelistas não refiram a presença de crianças, nenhum pintor desta cena deixa de representá-las, quer oferecendo palmas, quer estendendo as suas vestes. Esta cena sem suporte evangélico é a tradução literal do texto apócrifo de "Actas de Pilatos" (o Evangelho de Nicodemos): "Senhor Governador, quando me enviaste a Jerusalém ao lado de Alexandre, vi-o (Jesus) sentado sobre um jumento e os meninos hebreus iam clamando com ramos nas suas mãos, enquanto outros estendiam as suas vestes no chão dizendo: Salva-nos, tu que estás nas alturas! Bendito o que vem em nome do Senhor!" (Actas de Pilatos I, 3).

Este tema dos "meninos hebreus" perpetuou-se nas antífonas da procissão do Domingo de Ramos: "Pueri Hebraeorum, portantes ramos olivarum... Pueri Hebraeorum vestimenta prosternebant in via..."



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