Ascensão





FONTES BÍBLICAS
A Ascensão do Senhor é tratada apenas pelo evangelista S. Lucas (24, 50-53), mas o seu testemunho e extremamente breve. Lucas diz, simplesmente, que, depois da sua aparição aos onze apóstolos, Jesus separou-se dos seus discípulos e “elevara-se ao Céu”

A Ascensão, em S. Marcos (16,19), é ainda mais lacónica: “Depois de lhes ter falado, foi arrebatado ao Céu e sentou-se à direita de Deus”.

O texto essencial para a iconografia da Ascensão é o começo dos Actos dos Apóstolos (1, 9-12), que apresenta os pormenores da cena:
  1. Uma nuvem que oculta Cristo do olhar dos discípulos ao subir ao Céu;
  1. Enquanto olhavam o Céu, dois anjos, com vestes brancas, interpelaram-nos dizendo: “Homens da Galileia porque estais assim a olhar para o Céu? Esse Jesus que vos foi arrebatado virá da mesma maneira, como agora o vistes partir para o Céu.”
Apesar desta base frágil escriturística, a Ascensão difundiu-se rapidamente porque se apoiava nas precedentes “ascensões” do Antigo Testamento, do patriarca Henoc e do profeta Elias, que os teólogos reconheceram como prefigurações da Ascensão de Cristo.

A Liturgia intercalou a festa da Ascensão do Senhor “quarenta dias depois da Ressurreição” e dez dias antes do Pentecostes. Sempre se afirmou que teve lugar no “monte das Oliveiras”, onde ainda hoje se mostra aos peregrinos a dupla pegada dos pés de Jesus sobre o rochedo.


EVOLUÇÃO ICONOGRÁFICA
A iconografia da Ascensão apresenta algumas diferenças, características da arte bizantina e do Ocidente.

A arte do Oriente, que sublinha a divindade de Cristo, representa-O de frente, imóvel no óvalo luminoso da sua mandorla.
A arte do Ocidente, pelo contrário, mais sensível à Humanidade do Redentor, privilegia um movimento ascendente com os braços estendidos e mostrando as chagas da Crucifixão. E não esquece a marca dos pés de Cristo no monte das Oliveiras, como se verifica no exemplar de Vasco Fernandes.

A cena da Ascensão, como a Transfiguração, apresenta dois níveis: Cristo subindo ao Céu e o grupo terreal composto por Maria e os Apóstolos, que acompanham a Ascensão com o olhar.

Em relação à figura de Cristo verifica-se uma evolução iconográfica:
Começa pela ascensão pela mão de Deus, isto é, Cristo a partir do monte das Oliveiras é elevado ao Céu pela Mão de Deus que emerge da nuvem (Porta de Santa Sibina);
Posteriormente surge a Ascensão propriamente dita, no seguimento da opinião do papa Gregório I: o Senhor Jesus não foi elevado ao Céu pelos Anjos como Henoc, nem pelo carro de fogo como Elias, mas subiu por si mesmo sem qualquer ajuda: “sua virtute fertur”.
Umas vezes é o corpo de Cristo inteiro que está à vista; outras vezes apenas a cabeça ou os pés, sendo visíveis as suas pegadas.

O segundo interveniente nesta cena é Maria. Contudo, nem os Actos dos Apóstolos, nem os Evangelhos Apócrifos referem que Maria tenha assistido à Ascensão do Filho. Representada com os braços abertos, como “Orante”, personifica simbolicamente a Igreja.

À direita e esquerda da Virgem há dois Anjos com o bastão de Mensageiro na mão. A sua presença serve para ilustrar o texto dos Actos dos Apóstolos que informa que dois Anjos apareceram a anunciar aos Apóstolos que o Mestre regressará, um dia, na sua glória, tal como o viram subir ao Céu.

O terceiro grupo de intervenientes no segundo registo é constituído pelos Apóstolos que deveriam ser onze posto que Judas desaparecera na noite da traição e ainda não tinha sido substituído por Matias. Mas a maior parte das representações não respeitou esse número.
Oscila entre dez, doze e quatorze.


QUATRO EXEMPLOS DA ASCENSÃO
Expostos que foram os parâmetros que configuram iconograficamente a cena da Ascensão, passamos a apresentar quatro exemplares que nos permitem compreender a sua evolução representativa:



1 - PORTAS DE SANTA SABINA (Início do séc. V)
É a primeira representação conhecida desta cena. Cristo, no momento de subir sobre um monte, é puxado para o alto por três Anjos, um dos quais, no alto à direita, prende-O pelas mãos.

Em baixo, quatro apóstolos, dos quais três extasiados pela cena, e um triste e abatido.










2 - DÍPTICO DE MARFIM (séc. V)
Do Museu Nacional da Baviera, em Munique. Um exemplar muito próximo do de Santa Sabina, mas mais interessante e mais rico iconograficamente.
Liga a cena da Ascensão à da Ressurreição de Cristo, em rigorosa interpretação teológica. 
Em baixo está a representação das santas mulheres que foram ao sepulcro, com uma esplêndida reprodução da rotunda do santo sepulcro de Jerusalém, encimado por uma esbelta oliveira, que assinala o lugar da Ascensão.
No alto, o Senhor sobe sobre as nuvens, como degraus, apanhado pela mão do Pai Eterno. Na mão esquerda, Cristo segura um rolo, símbolo do perdão dos pecados do mundo.
Os Apóstolos estão representados nas duas figuras sentadas, das quais uma olha, em êxtase, a cena, enquanto a outra cai com a face em terra.








3 - CÓDICE DO MONGE RABULA (Escrito em 586, no Mosteiro de S. João, Mesopotâmia)
Escrito em sírio. Desde 1497 que faz parte dos fundos da Biblioteca Laurenciana de Florença.
Cristo está dentro de uma mandorla, abençoa com a mão direita e na esquerda tem um rolo, o rolo da “Traditio Legis” (um tema da primeira arte cristã em que Cristo transmite a nova lei aos Apóstolos Pedro e Paulo). A mandorla tem em baixo o Tetramorfo apocalíptico das asas com olhos, dotado de quatro rodas de fogo, segundo a visão de Ezequiel, 10.
Em terra, Maria na habitual atitude de “Orante”, enquanto os Apóstolos olham estáticos e maravilhados. Pedro tem a Cruz, tal como nas cenas da “Traditio Legis”.
Entre Maria e os Apóstolos veem-se dois Anjos que interpelam segundo a narração dos Actos dos Apóstolos: “Homens da Galileia, porque estais assim a olhar para o céu? Esse Jesus… virá da mesma maneira, como agora o vistes partir para o Céu” (Act 1,11). É neste versículo que está a chave da interpretação apocalíptica do tema da Ascensão e que explica a presença das asas com olhos e das quatro rodas de fogo.










4 - PAINEL DA ASCENSÃO DE VASCO FERNANDES
O painel da Ascensão de Vasco Fernandes fazia parte do Retábulo da Capela-mor da Sé de Viseu, um políptico encomendado pelo bispo D. Fernando Gonçalves de Miranda, por volta de 1501.

Maria e os Apóstolos, ajoelhados, acompanham, com o olhar, o movimento ascendente de Cristo, e que percebem apenas a parte inferior da túnica azulada e os pés descalços que deixaram as suas pegadas sobre o monte a partir do qual empreendeu a subida.
A parte superior do corpo está oculta atrás da nuvem. Trata-se da tradução literal da passagem dos Actos dos Apóstolos: “… e uma nuvem subtrai-o a seus olhos” (Act 1,9).
O tema das pegadas, como já dissemos, mereceu a atenção de vários autores, não pela historicidade do facto, mas pelo carácter devocional, pois ainda hoje se mostram aos peregrinos no cimo do monte das Oliveiras.

O quadro de Vasco Fernandes mostra na base quatro figuras: Maria Madalena, Maria, S. João (que bela mancha vermelha!) e S. Pedro, de mãos postas e com a sua barba branca e arredondada.






Comentários