A Ressurreição de Cristo

RESSURREIÇÃO DE CRISTO

AUTOR: Piero della Francesca
DATA: c. 1460
LOCAL: Museo Comunale
BORGO SANSEPOLCRO




A crença na Ressurreição de Cristo constitui o ponto centra da doutrina cristã. Contudo, durante séculos, a iconografia cristã eludiu este tema que, salvo raras excepções, é desconhecido antes de Giotto. 

É preciso sublinhar que o Mistério da Ressurreição não se pode separar das Aparições Pascais, como manifestações da presença de Jesus aos seus discípulos na terra. 

Existiu um tratamento deste tema, mais devocional que narrativo, na pintura italiana, que mostrava a figura de Cristo suspensa entre o céu e a terra, inscrita numa mandorla, que fazia pensar mais na Ascensão.

A tipologia mais comum, de origem tardomedieval e usada no Renascimento, é aquele em que o Redentor está em pé sobre, ou no túmulo, ou a sair, tendo na mão o estandarte branco com a cruz vermelha, símbolo da Ressurreição. Piero della Francesca adoptou o momento em que Cristo sai do túmulo, colocando o pé esquerdo na borda do túmulo, isto é, "Christus uno pede extra sepulcrum".

Enquanto se ocupava no ciclo dos frescos da igreja de S. Francisco, em Arezzo, Piero della Francesca teve outras comissões que o obrigaram a deslocar-se a várias cidades de Itália.

Por volta de 1460 deslocou-se à sua terra natal, Borgo Sansepolcro, a fim de realizar outra obra-prima, "A Ressurreição de Cristo", para o Palácio Comunal. 


Dispõe a sua composição num enquadramento arquitectónico, delimitado lateralmente por duas falsas colunas de travertino. Dentro deste enquadramento, realça três elementos: Cristo, as Sentinelas e a Paisagem.


CRISTO
A figura de Cristo constitui o eixo geométrico de toda a composição, dividida em duas partes simétricas, quer na zona da paisagem, que no grupo dos soldados.

Por cima do torpor das sentinelas, eleva-se a silhueta de Cristo de forma bem frontal. Tem o pé esquerdo bem firme sobre a borda do sepulcro, enquanto com a mão direita levanta o estandarte da vitória e segura com a mão esquerda o belíssimo manto cor de rosa, a cor da alegria e da Ressurreição. 

Exibe um tratamento modelar da anatomia, através da qual aproveita para mostrar as chagas dos pés e mãos e do lado, os grandes sinais da Ressurreição: "A paz seja convosco. Depois disse a Tomé: Olha as minhas mãos: Chega cá o teu dedo. Estende a tua mão e põe-na no meu lado. E não sejas incrédulo" (Jo 20, 22).

O Cristo Ressuscitado de Sansepolcro corresponde ao modelo característico de Piero della Francesca: silencioso, olhar no infinito, hierático, dotado de uma seriedade extraordinária que atrai e de uma "gravitas" que só este artista consegue transmitir.


SENTINELAS
Todas estas características estão em perfeito contraste com o grupo de sentinelas. A presença de sentinelas junto do sepulcro de Cristo é ignorada por Marcos, Lucas e João. Somente Mateus menciona os soldados enviados  por Pilatos à guarda do sepulcro, com o fim de contradizer a acusação lançada pelos judeus que os discípulos tivessem, secretamente, retirado o corpo de Jesus: "Ordena que o sepulcro seja guardado até ao terceiro dia, não venham os discípulos roubá-lo e dizer ao povo: ressuscitou dos mortos" (Mt 27, 64).

Os quatro soldados estão deitados em frente ao túmulo, formando a base de uma pirâmide cujo vértice é a cabeça de Cristo. Estão representados em diversas posições: de frente, de perfil, de costas. Chama particularmente a atenção o soldado representado frontalmente que a tradição admite ser o auto-retrato de Piero.

Percebe-se perfeitamente a intenção do artista em estabelecer um contraste acentuado entre as figuras de Cristo e as sentinelas: soldados deitados, dormidos, amodorrados, ou seja, em atitude contrária à sua função de vigilância que Piero della Francesca explora para realçar a verdadeira "sentinela" presente, Aquele que está vigilante, em posição vertical, de vitória, de pé, Aquele que passou da Morte para a Vida, o Ressuscitado


ÁRVORES
Este jogo antitético verifica-se também em relação à paisagem. Nota-se, perfeitamente, como as árvores e o conjunto da paisagem à direita de Cristo estão, simbolicamente, despidas e invernais, enquanto que, na parte oposta, se apresentam verdes e primaveris. Com esta simbologia, já ensaiada na pala do "Baptismo de Jesus", Piero della Francesca convida-nos a uma leitura deste quadro, da esquerda para a direita, para acompanharmos o renascimento anual da natureza relacionando-o com o "Retorno à Vida de Cristo Ressuscitado".


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