Transfiguração









:: FICHA TÉCNICA ::

TÍTULO - TRANSFIGURAÇÃO
AUTOR - Beato Angelico
DATA - Entre 1438 e 1442
MEDIDA - m 1, 80 x 1, 50
LOCAL - Convento de S. Marcos, cela 6 do Dormitório (Florença)

:: BEATO ANGELICO ::

Fra Giovanni da Fiesole, perto de Florença, conhecido como Fra Angelico ou Beato Angelico (1400 - c.1455) foi membro do ramo reformado da Ordem Dominicana - dita da Observância - cuja santidade foi reconhecida formalmente pela Igreja, em 1984, ao declará-lo Beato. 

Vasari, antes de fixar-se na vertente artística, apresenta-o como modelo de vida religiosa: homem de "suma e extraordinária virtude", de "santíssima vida", "homem simples e santíssimo nos costumes", "humaníssimo e sóbrio", "o qual nunca tocava nos pincéis sem antes fazer oração" e "não fez nenhum crucifixo que não o banhasse em lágrimas".

Sempre segundo Vasari, "quem faz coisas de Cristo, deve estar sempre com Cristo". Eis a chave fundamental para a compreensão da obra deste mestre. Não se pode compreender a pintura do Angelico se não se atender à vertente religiosa do seu trabalho. Para ele, pintar significava dar glória a Deus. Cada uma das suas obras servia como guia de meditação e instrumento de pregação. Pertencia à Ordem dos Pregadores e ele pregava não a partir do púlpito, mas através das suas pinturas, cujos sermões eram dirigidos umas vezes ao público leigo em geral, outras vezes aos seus confrades, sobretudo na última fase da sua vida, na obra que nos deixou no convento de S. Marcos, em Florença.

Para ver a diferença destes dois sermões, basta comparar a "Anunciação" do Prado, pintura realizada para a igreja de S. Domingos de Fiesole - tal como a "Anunciação" de Cortona - e a "Anunciação" da cela 3 de S. Marcos, Florença.

No primeiro caso, Angelico dá uma catequese ao público leigo contrapondo a cena da expulsão do Paraíso de Adão e Eva com o anúncio do Anjo Gabriel, estabelecendo uma relação de causa e efeito. 

Em S. Marcos, sendo o destinatário o frade dominicano da cela 3, devidamente formado em teologia e Bíblia, elimina todos os elementos acessórios e concentra toda a mensagem no diálogo entre o Anjo e Maria.


Anunciação - Fra Angelico
Prado

Anunciação - Fra Angelico
San Marcos - cela 3


Angélico foi descrito pela crítica romântica como um místico que, em êxtase, pinta visões celestes. Artista religioso, sim, mas profundamente consciente dos problemas culturais do próprio tempo: as rivalidades entre os Albizzi e Peruzzi; a chegada a Florença do Papa Eugénio IV e a transformação do convento de Santa Maria Novella em sede provisória da Cúria Romana; o Concílio  Ferrara (1438) - Florença (1439); e o problema da união dos gregos cismáticos. 

Foi amigo de Santo Antonino, arcebispo de Florença, gozou da estima dos papas Eugénio IV e Nicolau V.

Do ponto de vista artístico, sem renegar as influências do gótico florido de Lorenzo Monaco e de Gentile da Fabriano, Angelico foi um homem do Renascimento, seguindo os princípios artísticos de Brunelleschi e Masaccio. 




:: TRANSFIGURAÇÃO ::

CELA 6 DO CONVENTO DE S. MARCOS - FLORENÇA

Depois da pregação aos leigos, Angelico dirige-se aos confrades do convento de S. Marcos, reconstruído por Michelozzo a expensas de Cosme de Medici. Não para decorar os ambientes, mas para dar aos "fratres" temas de meditação. De assinalar a rapidez com que foram executados os trabalhos. Começados no fim de 1438, estavam praticamente prontos ao fim de 1442, conforme os desejos do mecenas, Cosme de Medici e, particularmente, dos religiosos observantes impacientes por retomar o ritmo normal da vida cenobítica. 

Dentro do contexto conventual, os frescos das celas, onde se posicionava a "Transfiguração", eram precedidos pelo fresco de "S. Francisco abraçado à Cruz de Jesus", pelo fresco da "Anunciação", um dos temas mais caros ao Angelico, e numa "sacra conversatio" (sagrada conversação).

Com efeito, subindo as escadas que conduzem ao corredor do dormitório, dava-se com a admirável "Anunciação". Aí, todo o frade que passasse diante deste fresco era convidado a um momento de recolhimento: "Virginis intactae cum veneris ante figuram, praeterendo cave ne sileatur Ave" (Quando ao passar te encontres diante da imagem da Virgem, não te esqueças da recitação da Avé (Maria)"

Concluída a decoração dos lugares comuns, o artista dedicou-se, com a ajuda de vários colaboradores, à obra das humildes celas dos confrades, à volta de quarenta. 

Cada uma das celas tinhas a representação de uma cena sobre a parede em que se encontra a janela, em frente da porta. Desta maneira, a parede contem duas aberturas: uma que se abre ao mundo físico, ao outra ao mundo espiritual. 

Nunca imaginou Fra Angelico que uma obra destinada à meditação do habitante individual de cada cela pudesse, hoje em dia, ser usufruída pelos milhares que percorrem as celas de S. Marcos. 




A "Transfiguração" é a obra mais saliente do conjunto das celas de S. Marcos:

CRISTO: A majestosa figura de Cristo, com os braços abertos, num gesto que antecipa a crucifixão, recorta-se sobre um fundo de luz. Branco sobre branco, numa auréola de luz em forma de mandorla (amêndoa, em italiano)

APÓSTOLOS: Abaixo desta esplêndida figura escultórica estão ajoelhados os três Apóstolos, Pedro, Tiago e João, com gestos de espanto e de profunda reverência. 

MOISÉS E ELIAS: As cabeças de Moisés e Elias sob os amplos braços de Cristo ilustram claramente a força que os liga ao Messias: Moisés, como precursor, Elias como predecessor.

Curioso o pormenor iconográfico de Moisés. Enquanto os artistas medievais representavam o "Moisés Cornudo", derivado de uma tradução defeituosa da Vulgata (videbant faciem Moysi esse cornutam), Fra Angelico, seguindo o pensamento de Tomás de Aquino, substituiu os dois cornos por "dois raios luminosos".

Moisés - Michelangelo
Basilica di San Pietro in Vincoli      
                                                                                                            
Moisés - Fra Angelico
Transfiguração- Pormenor

Como nota iconológica podemos concluir dizendo que Fra Angelico representa o Cristo Transfigurado e glorioso mas na posição que terá depois quando estiver na cruz. É o paradoxo de uma glória inseparável do sofrimento, e do sofrimento que se transforma - e já - em glória (Timothy Verdon). Esta interpretação da cena da Transfiguração pintada por Angelico não é mais que o eco do evangelho de Lucas, referindo-e a Moisés e Elias: "Falavam da sua morte, que ia acontecer em Jerusalém" (Lc 9, 31).

O Cristo Transfigurado de Angelico é o Cristo Crucificado e Ressuscitado.



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