Expulsão dos vendilhões do Templo



:: FICHA DA OBRA ::

Domenikos Theotokopoulos – El GRECO
“Purificação do Templo”
London – National Gallery
C.1600


:: DOMENIKOS THEOTOKOPOULOS ::
- EL GRECO -

Segundo o seu próprio testemunho, El Greco nasceu em 1541 em Candía, capital da ilha de Creta. Nada se sabe dos seus primeiros anos na ilha. Teremos de esperar até 6 de Junho de 1566 em que o nome de El Greco (ou Domenikos Theotokopoulos, como se conhecia em grego), então com vinte e cinco anos de idade, aparece nos protocolos de um notário de Candía. Aí se menciona como mestre pintor, filho de Jorghi e irmão de Manousos.

A partir deste documento pode afirmar-se com certeza que El Greco aprendeu a pintar em Creta, provavelmente em Candía. Portanto, teve uma formação de pintor de ícones, trabalhando no estilo tardo-medieval que se conhece como estilo pós-bizantino, cultivado por Andreas Ritzos, autor de vários ícones da “Virgem da Paixão “, muito próximo do nosso ícone de “Nossa Senhora do Perpétuo Socorro".

De Creta, embarcou para Itália, via Veneza. Também não se sabe ao certo da chegada à cidade dos Doges, mas calcula-se que esteja próxima de 1567. O período veneziano terminou justamente dois anos mais tarde. No outono de 1570, tendo abandonado definitivamente Veneza, encaminha-se para Roma, onde chegou em Novembro desse ano e começou a trabalhar como miniaturista. 

A obra chave para compreender o período Veneziano de El Greco é a “Purificação do Templo” da “National Gallery of Art“ de Washington. Há uma carta de 1570 em que Giulio Clovio recomenda a Fulvio Orsini “um jovem candiota discípulo de Tiziano”, que não podia ser outro que El Greco.

Em 1572 está em Roma onde aparece inscrito na Academia de S.Lucas. A anotação que figurava ao lado do seu nome dizia “pittore a carte“ (miniaturista). A chegada do pintor a Roma coincidiu com o movimento particularmente agitado da história da pintura Italiana. A partir de 1560, iniciaram-se os primeiros intentos de clarificar e reformar a doutrina e prática católicas, emanados do Concílio de Trento.
Na opinião de Jonathan Brown, a quem seguimos de perto nesta nota biográfica: " nunca saberemos com exatidão por que decidiu abandonar Roma, mas não será muito arriscado sugerir que a combinação das ambições frustradas com a esperança de triunfar, ainda viva, moveram-no a procurar outras circunstâncias mais propícias às suas aspirações para a fama e fortuna”.

Em 1577 aparece já documentada a sua presença em Espanha, ainda que não saibamos ao certo as razões que o impulsariam a fazer esta viagem. Talvez a esperança de obter um importante mecenato que não tinha encontrado em Roma, ou desejo de trabalhar na decoração do “El Escorial “, motivo que originou a vinda de outros artistas italianos.

Em Toledo, onde se estabeleceu rapidamente, as encomenda sucedem-se continuamente e depois de um intento falido de trabalhar para Felipe II, a sua clientela serão igrejas e conventos toledanos e madrilenhos para quem realiza as suas obras de devoção. Para a aristocracia e ambientes intelectuais produziu retratos prodigiosos.

Dentro dos temas religiosos, a cena da “Purificação do Templo“, atraiu a atenção de El Greco de forma particular ao ponto de lhe dedicar várias obras, das quais destacamos as principais:

- National Gallery – Washington, Samuel H.Kress collection antes de 1570, cm 65,4x83,2.
- Minneapolis, The Minneapolis Institute Of Arts The Wililiam Hood Dunwoody Fund C. 1570 – 1575, cm 118,4x150.
- New York, The Frick Collection, C.1600, cm 41,9x52,4.
- London, National Gallery, C.1600
- Madrid, Colección Várez – Fisa, C.1610 – 1614, cm 107x124.

Para a análise, apresentamos a “Purificação do Templo“ de El Greco que se encontra na National Gallery de Londres.






:: PURIFICAÇÃO DO TEMPLO ::
- National gallery, C. 1600, el greco -

A cena da “Purificação do Templo “raramente aparece tratada pelos artistas e sempre como cena incluída na série de episódios da vida de Cristo. Isolada, como tema de uma pintura solta, não foi comum, embora vários papas, Paulo IV, Pio IV e Gregório XIII, a elegessem para o reverso das suas medalhas comemorativas.

Pelo contrário, El Greco preocupou-se por este tema durante toda a sua carreira. Repetiu-o desde os primeiros anos até ás últimas produções, mantendo o mesmo esquema compositivo geral, com variações subtis: fundo arquitetónico, com abertura de arcos que permitissem o prolongamento da cena para o exterior; um primeiro plano, povoado de pessoas, mesas e objectos, em que se destaca, em posição central, a figura majestosa de Cristo. É visível o contraste entre um ambiente desequilibrado, confuso e a serenidade e firmeza de Cristo com o chicote na mão.

A cena que reproduzimos capta o preciso momento em que Cristo entra no recinto do Templo e dá de frente com um ambiente de feira: cambiam-se moedas para a oferta do culto, vendem-se animais, pombos para a oferta dos pobres e cordeiros e bois para os sacrifícios oferecidos pelos ricos.

O câmbio de moeda era absolutamente necessária para os peregrinos, já que o tesouro sagrado do Templo só admitia moeda nacional, os siclos, que se conseguiam vendendo os didracmas gregos ou estáteres romanos, com a efígie do imperador.

É claro que quando de diz “recinto do Templo“ refere-se ao “pátio (Hieron) dos gentios” e não ao Santuário do Templo propriamente dito (Naos), reservado aos sacerdotes.

Cristo perante o espectáculo com que se deparou, “fez um chicote“, segundo o relato de (Jo2,15) e interpelou colericamente comerciantes e cambistas, fundando a sua ação, em Jeremias 7,11 “Porventura este Templo onde o meu nome é invocado é a vossos olhos um covil de ladrões”, ou em Isaías 56,7 “A minha casa é casa de oração”. O gesto transformou-se num ato de purificação do lugar sagrado para que, com a chegada do Messias, volte a ser lugar de oração e verdadeira fé.
Comparada a pintura de Londres com aquelas que executara anteriormente, que provavelmente serviram de modelo, nota-se uma maior simplificação no marco arquitectónico; eliminaram-se os complicados degraus das primeiras composições; os personagens, Cristo e vendedores, adiantam-se no espaço em direcção ao espectador; toda a composição é muito mais agitada e a luz que incide nas partes nuas dos corpos e nos panejamentos parece chamas de incêndios, sugerindo um grande movimento.

Nesta obra londrina de El Greco torna-se evidente o gosto pelas proporções alongadas das suas figuras, aplicando o princípio maneirista que tais figuras eram intrinsecamente mais belas que as de tamanho real.

Para além das formas alongadas, de salientar as posturas retorcidas, segundo a “figura serpentinata”, visível na figura de Cristo e do jovem de amarelo, que parecem empenhados num passo de dança.

No capítulo da cor, El Greco utiliza os estridentes e arbitrários matizes de pintores maneiristas. Nesta “Purificação“, verifica-se uma sinfonia de cores: amarelo-verde, guizes-azuis, vermelhos, enquadrando a mancha central do tom vinhático-azul de Cristo.

Do ponto de vista icnográfico, uma das principais diferenças entre a pintura de Londres e as primeiras é a adição de dois baixos relevos que flanqueiam o arco do muro do fundo. Têm por temas a “Expulsão do Paraíso“ e o “Sacrifício de Isaac“. Discutiu-se bastante no sentido de saber em que medida estes dois relevos amplificavam o significado do tema principal. 

Desde já  a “Expulsão do Paraíso“, como expressão de ira divina, prefigura a “Purificação do Templo”. No “Sacrifício de Isaac” viu-se uma prefiguração da crucifixão, ou do valor redentor do sacrifício de Cristo. Além disso a tradição identificaria o monte Moria com o monte do Templo de Jerusalém. Ali mesmo foi levantada pelos muçulmanos a mesquita de Omar, que encerra o rochedo tido como o lugar do sacrifício de Isaac. Esta cena também é prefigurada no Antigo Testamento pelo castigo de Heliodoro, expulsado pelos anjos flagelantes do Templo de Jerusalém, cujo tesouro queria roubar, um tema imortalizado por Rafael na “Loggia del Bramante”, no Vaticano. 

Por sua vez os teólogos da Reforma não se cansaram de utilizar esta cena de “Purificação do Templo“, para exaltar os esforços de Lutero em depurar a religião católica, contaminada pelo tráfico das indulgências.














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